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As configurações do luto nos tempos de pandemia

As configurações do luto nos tempos de pandemia

As configurações do luto nos tempos de pandemia


Gabriella Duarte Santana

psicóloga CRP 07/24778, graduada e pós-graduada pela PUCRS, especialista em Psicoterapia Cognitivo Comportamental
contato:gdspsico@gmail.com.br

Não abordaremos aqui como o mundo vem lidando com o luto diante da pandemia quando nos referimos a perda de entes queridos ou daqueles números que vemos transbordar nos noticiários diariamente, mas sim, sobre aquele sentimento desconhecido, que nos causa sofrimento psíquico equivalente, e, nem sequer nos damos conta. Essa sensação pode ocorrer quando terminamos um relacionamento, com a perda de um emprego, por ter os filhos em casa enquanto nos viramos em home office, somado a redução  do salário e aumento da  carga horária, porque os  filhos  em meio a crise nos rodeiam de preocupações, como, por exemplo, ter que decidir de tirar  o filho  daquele colégio que consideramos bom para outro supostamente tão bom, devido a diminuição  de despesas em casa, por nosso medo de não sermos pais bons o suficiente diante da dificuldade de nos recolocarmos no mercado de trabalho,  na ansiedade por pela possibilidade de perdermos alguém que amamos ou ainda o risco de sermos contaminados pela  doença que  agora assombra o mundo.

A quantidade de informações diárias sobre a pandemia nos causa uma mistura de emoções e sentimentos que faz nossa mente produzir interpretações equivocadas sem que nos demos conta. Sutilmente percebemos perda de prazer por algo que antes era muito prazeroso, vontade de chorar, e até mesmo choro que vem algumas vezes principalmente o cair da noite. Outras vezes aparece a tristeza, a apatia, a desregulação do sono, que podem ser sintomas e deveriam  nos servir como alertas para nos impedir de sofrer sozinhos. Não que tenha algum problema sofrer, mas o sofrimento desassistido e solitário pode trazer complicações, nos colocando em risco como abuso de substâncias, psicose, entre outros.

 Sempre que tais sensações de perda de controle aparecer é importante que se busque alguém que confiamos para sermos ouvidos, preferencialmente ajuda profissional. A escuta, o colo e a compreensão são fundamentais nestes momentos. A Negação é um Mecanismo de Defesa do ser humano que nos faz acreditar que o que está acontecendo não é verdade, já que para nossa mente é difícil e duro lidar com os diversos lutos, e nos permitir passar pelo sofrimento psíquico e elaboração destes lutos, principalmente estes, potencializados neste momento de pandemia.

Luto

Porque quando falamos em luto o que nos vem à cabeça é a morte? Luto não é somente morte física. Luto é viver a perda. É ter que deixar ir algo que já faz parte das nossas vidas, que já estamos acostumados, que faz parte da nossa rotina; algo que amamos; que nos traz prazer e nos faz bem; que somos dependentes.

Sempre que mudamos nossa rotina, ou iniciamos uma nova etapa de vida, que deixamos algo para trás pra iniciarmos uma nova etapa, precisamos elaborar essa perda para que possamos viver sem prejuízos na vida social, profissional e demais áreas. Psiquicamente se compreende que o luto possui fases de elaboração da perda em relação a algo. São elas:

1. Negação e isolamento: Ocorre quando utilizamos nosso mecanismo de defesa temporário de não enfrentar situações. Nesse caso, evitamos falar sobre, e, quando falamos, colocamos como se ainda existisse. Em geral este momento não persiste por muito tempo, mas em caso de adoecimento psíquico é possível nunca conseguir sair deste estágio, buscando incessantemente a confirmação de que o objeto amado ainda não foi perdido;

2. Raiva: Costuma-se dizer que esta fase ocorre quando o paciente está “perdido” psiquicamente, existindo a sensação de impotência e falta de controle em relação a sua própria vida. É quando a angustia é convertida em raiva. É o momento em que nos perguntamos, “Porque eu?”, podendo surgir revolta;

3. Barganha: O enlutado entende que é possível que ocorra uma troca para que o pior, ou seja, para que o sofrimento psíquico em que se acredita não dar conta, não aconteça. Tentamos realizar troca com Deus; no emprego, com o superior; em caso de doença, com o médico, e assim por diante, como se pudéssemos “anestesiar” ou evitar a dor psíquica existente;

4. Depressão: É a penúltima fase. Quando já existe consciência de que não há mais o que fazer para evitar a perda. Neste estágio se assume o quadro clinico clássico da depressão, e o enlutado desenvolve sentimentos de desanimo, tristeza, desinteresse, choro, apatia.

5. Elaboração/Aceitação: Fase onde fica mais evidente a importância do apoio de terceiros na elaboração do luto. Sentir-se apoiado e amparado é fundamental para perceber que a vida não findou ali e que existe razão para seguir, apesar da perda. Enfatiza-se que o familiar, assim como o enlutado, perceba e traga para as conversas que haverá dias melhores, e outro não tão bons, assim como oscilações durante um único dia, e que é importante permitir que o enlutado tenha o tempo necessário para elaborar o luto da melhor forma e se permita sofrer, pois o sofrimento faz parte para a boa elaboração do luto.

Emoções e sentimentos

A ideia de que o sofrimento, a tristeza, o choro e tantas outras emoções rotuladas como “ruins”, ou como “feias” de externalizar são resultantes de construção social. O mundo impõe o tempo inteiro que é necessário ser forte e seguir a vida independentemente do que tenha acontecido e da proporção da dor, sem que possamos nos permitir elaborar adequadamente nosso sofrimento. Desse modo, torna-se mais provável que o indivíduo em sofrimento psíquico venha a se isolar, por entender como exagero o que está sentido, e tenha vergonha de falar com alguém por receio de ser julgado e sentir-se inadequado, o que dificulta e diminui consideravelmente as chances de elaboração e resolução do problema.

No momento em que se passa por uma situação que exige esforço mental maior do que do nosso dia a dia, é mais difícil lembrarmos que já estivemos situações assim no passado (talvez não tão “tristes ou tão difíceis” como esta) ou que já ajudamos alguém a passar por dificuldades e conseguimos “dar conta”. Quando estamos em sofrimento mental, nossa mente fica desorganizada o que torna mais complexo conseguir rearranjar as ideias para respirar fundo e desenvolver estratégias, que, na maioria das vezes, nem acreditamos que temos capacidade para lidar com tais situações. Conhecer novas estratégias, adquirir novos potenciais e reunir toda bagagem que já possuímos, deixando o receio de lado com o auxílio profissional torna o dia menos cinza e a elaboração do luto mais próxima.

Considerações finais

Passar pela experiência do luto é algo que precisa ser compartilhado, acompanhado e acolhido pela empatia do outro. De preferência por aquele que confiamos e que nos sentimos a vontade. Além disso, o silencio respeitoso e acolhedor nesse momento também se torna fundamental.

Alterações do humor, tristeza, desanimo, fadiga, perda de libido, raiva, desespero, desesperança, choro, recorrer ou recair ao uso e abuso de substancia química, chuva de pensamentos e questionamentos referente a culpa e possibilidades, que, fantasiosamente, poderiam ter evitado o luto, e até mesmo imaginar ou colocar-se em situações de risco, são sintomas comuns deste momento. Nesses casos, tanto o enlutado, quanto os próximos, devem estar atentos a necessidade de buscar apoio profissional.

Algumas Atividades Cognitivo Comportamentais que podem ajudar na elaboração do luto:

Realização de exercício físico: Separar vinte ou trinta minutos do dia para movimento muscular, como por exemplo: Alongamento, caminhada, esportes e exercícios de relaxamento.

Exercício Mental: Realizar atividades manuais, fazer receitas simples, cruzadinhas, jogar dominó, escrever cartas, montar quebra cabeça (evitando tarefas mais complexas, pois, em momento de gasto emocional em grande quantidade, nosso recurso cognitivo diminui, e é normal).

Escrever metas de curto prazo: Como pretendo estar daqui a trinta e noventa dias? Existe algo que quero conquistar breve? Alguma meta de emprego? Ter filhos? (Lembrando sempre de ser metas a curto prazo neste primeiro momento, na tentativa de uma melhor organização psíquica e menor chance de frustração).

Buscar informações sobre o processo de luto: Ler artigos, livros, assistir séries e documentários; buscar informações a fim do fortalecimento em relação ao assunto. Buscar ajuda especializada: É um passo importante para a elaboração do luto com menores prejuízos psíquicos, tanto  para o enlutado como seus familiares, e assim compreenderem que neste momento, o acolhimento, a escuta e o acompanhamento profissional se torna fundamental.

Referências

Taylor, S. (2019). The psychology of pandemics: preparing for the next global outbreak of infectious disease. Newcastle upon Tyne: Cambridge Scholars Publishing.

Paiva, F; Junior, J; Demasio, Anne. (2014). Ética em cuidados paliativos: concepções sobre o fim da vida. Rev. Bioét. vol.22 no.3 Brasília

Crepaldi, M; Schimidt,B; Noal, D; Bolze,S; Gabarra,L. (2020). Terminalidade, morte e luto na pandemia de COVID-19: demandas psicológicas emergentes e implicações práticas. Estud. psicol. (Campinas) vol.37  Campinas  Epub June 01

Koury, M. (2020). Cultura emotiva e ordem moral: medo e risco na nova sensibilidade contemporânea; Sociologia, Problemas e Práticas  no.92 Lisboa

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